Dois perdidos numa noite suja

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A leitura feita aqui da obra do Plinio Marcos não se pretende verossímil à mesma, mas a utiliza como um arquivo poético para pensar o presente. Tentando encontrar ecos entre a obra e a realidade vigente sem com isso reduzir a obra a uma mera cópia da realidade, pelo contrário, o que a mesma suscita é o ato de estranhar a realidade. A força dela estando muito mais (imagino) na comparação por conta da sua duração no tempo do que no figurativismo.

Tanto é que a encenação que tive o privilégio de presenciar se utiliza de procedimentos do teatro épico para levar para o palco e desse modo falar da sociedade. Vale a pena lembrar que a obra dramatúrgica tem como forma o drama, mas o espetáculo ao ser encenado pelo coletivo torna-se épico. Isto de cara coloca a questão da tensão entre a escrita e sua realização cênica. E mais, entre enunciado do conteúdo e da forma. O que nos faz lembrar que a forma dramática está vinculada a história e por isso mesmo necessita ser colocada em perspectiva e desse modo aferir sobre sua eficácia na atualidade. A encenação ao optar por procedimentos épicos escancara a contradição entre convenções estáveis e formas novas que as modificam e que são necessárias para falar sobre o mundo de hoje para gente de hoje. Trazendo para cena, no meu entendimento, algo da ordem do inacabado porque do vivo, do potente.

Se na peça a relação é intersubjetiva, próprio da forma dramática, na encenação ela converte-se em algo próximo ao épico posto que ela se abre para o mundo, rompe com a construção rigorosa da ação, amplia o espetáculo para além do diálogo, fazendo com que as condicionantes sociais fiquem mais evidentes. Uma das maneiras que o encenador encontrou para executar tal modificação foi a de colocar os personagens direcionando suas falas cortantes ao público e não ao outro. Rompendo assim com qualquer tipo de ilusionismo, de presente absoluto. O efeito provocado por tal procedimento é o de um corpo falado, isto é, de uma fala que vem vindo e faz aquele corpo falar, ser o emissor, mas não o criador dela. Um reprodutor de uma ordem.

O primeiro ato com seus quatro quadros e parte do segundo ato vão nessa direção. A relação de força presente na peça fica na forma encontrada pela encenação mais evidente. O pêndulo não para. Cada um em tempos entrecortados assume essa fala que vem vindo acarretando o domínio hora sobre um, hora sobre o outro. O que na forma dramática se caracteriza como

conflito e prende o espectador, na encenação ganha contorno de conflito social porque o sujeito é fruto das relações sociais e reforça seu caráter teatral e, portanto, anti-ilusionista. É só na última cena que o confronto entre os dois acontece. E aí fica mais evidente como discurso autoritário opera na forma totalizante ao mesmo tempo que individualiza. Isto é, imprime uma marca, determina uma identidade. E aquele que era marginal se assujeita a um "nós" que não é ele. Assume o discurso que não é dele e nunca será até pela sua condição de marginal. Ao ser anexado pelo saber-poder autoritário, sua alavanca para o mundo agora é de UM que está contido num certo NÓS e que não ver/nem aceita no outro a possibilidade de ser outro que não o mesmo que o nós que ele é. E o resultado final disso é o aniquilamento do outro.

Na peça o capitalismo na sua forma social produz a barbárie. Na atualidade a barbárie continua, mas com ela cada vez mais a sujeição. A luta política hoje, talvez, seja para saber quem somos ou que estamos nos tornando. Para daí ventilarmos a possibilidade ser outra coisa.E nesse sentido ter a capacidade de constituir-se por si mesmo, de transforma-se no interior das relações sociais e dos sistemas culturais nos quais se insere. Um trabalho como o aqui apresentado, tanto na sua forma de dramatúrgica quanto na sua encenação são ótimos canais para nos ajudar pensar essas questões.

Por fim, gostaria de lembrar que tudo aqui escrito não necessariamente representa o que a peça, o espetáculo. Todavia, foi partir de... Que sistematizei tal pensamento. E como tal torna-se um exercício permanente de escrita.

A peça fica em cartaz até o dia 24/02. Boa peça!!!!

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